domingo, novembro 06, 2016

Entrevistas Antigas a Autores de BD (IX) - Miguel Alves



Continuando a dar visibilidade a entrevistas antigas a autores de BD publicadas em jornais, reproduzo hoje a que fiz a Miguel Alves, um talentoso jovem que, posteriormente formado em arquitectura, tem continuado a produzir bandas desenhadas, embora espaçadamente, sob o pseudónimo de Pedro Burgos.

A entrevista que agora se pode ler no suporte virtual da internet foi originalmente publicada em papel, no suplemento Tablóide do jornal Diário Popular, na edição de 1 de Fevereiro de 1986.

No topo do post vê-se a página do jornal, e a primeira prancha da banda desenhada "Uma Aventura de Angelim". Em post a publicar seguidamente será mostrada a totalidade da curta de BD. Agora é a vez de reproduzir a entrevista.
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Insistir numa personagem 
permite descobrir-lhe novas facetas

Esta é a opinião de Miguel Alves, criador de Angelim, personagem que hoje se estreia no «Tablóide».
Misto de anjo e super-homem, ou apenas um moderno Ícaro habitando num imaginário «país dos anjos», Angelim mantém um comportamento de características bem humanas, o que o torna numa personagem bastante original.

Miguel Alves é o «nome de guerra» de Pedro Miguel Pinheiro Alves Cabrito, o mais jovem desenhador/argumentista apresentado até hoje no «Tablóide». Nascido em Lisboa a 4 de Julho de 1968, está actualmente a frequentar o 12ºano e pretende seguir para Arquitectura.

Repetindo o bloco habitual de perguntas, começámos por lhe pedir uma definição de Banda Desenhada.

- É uma sequência narrativa onde a imagem assume o aspecto principal - diz Miguel Alves sem hesitar.

- Diga-me como encara a BD, o que significa ela para si, a nível pessoal.

- Significa uma maneira de me exprimir, uma forma de eu imaginar, de criar. E, é claro, é também um passatempo.

- O que é que a BD poderá representar para si, no futuro?

- Como eu pretendo seguir Arquitectura, poderá funcionar como opção criativa, isto é, uma maneira de me libertar dos moldes estáticos da Arquitectura.

- Como é que a sua família encara o seu entusiasmo pela BD?

- Lá em casa tenho um grande apoio, e sou encorajado a continuar. Não lhes agrada, no entanto, a possibilidade de eu encarar a BD como profissão única. De resto, tenho bem a noção de que, cá em Portugal, tentar viver da BD é loucura.

- Mas não acha que o público parece estar cada vez mais interessado na Banda Desenhada?

- Eu, em relação ao público, acho que nestes últimos anos o seu interesse tem vindo a crescer. Isso pode ser derivado à maior abertura que os «mass media» têm tido em relação à BD.

- Isso também se aplica à BD, no seu entender?

- Sobretudo é importante referir que se tem verificado uma maior participação de artistas nacionais em jornais, revistas e outras publicações.

- Atendendo ao que disse anteriormente, julgo que considera que o ambiente que existe actualmente à volta da BD é favorável ao seu desenvolvimento.

- De certa maneira, sim, mas para que se verificasse um desenvolvimento significativo seriam necessárias ainda mais apoios, ainda mais iniciativas.

- O facto de os jornais estarem a dar apoio à BD portuguesa virá beneficiar os novos autores?

- Certamente que sim, pois essas publicações vão servir de encorajamento e, de certa maneira, enquadram uma esperança.

- Quantas bandas desenhadas suas já foram publicadas e onde?

- Tenho presentemente uma história em publicação numa revista de empresa (Datamac), em cujo número um, datado de Julho de 1985, saiu a primeira prancha.

- Qual o título da bd? É a preto e branco ou a cores?

- O título é «O Robot das 3 Luas» e é a preto e branco. A história gira em torno de um «robot», que é afinal o símbolo daquela empresa.

- Diga-me em que concursos já participou, e quais os resultados que obteve.

- Tenho concorrido ao Concurso Nacional de BD, organizado em conjunto pelo CPBD e FAOJ. A primeira vez que concorri (e foi também a primeira vez que fiz uma história a tinta-da-china), foi em 1984, ao tema «Jogos Olímpicos». Ganhei o 1º prémio do respectivo escalão. Posteriormente concorri ao da ESBAL, ou melhor, ao da Associação de Estudantes de Arquitectura, onde ganhei uma menção honrosa. 
Tenho também participado em concursos de desenho, nomeadamente a um que foi organizado recentemente pelo Metropolitano de Lisboa, onde ganhei o 1º prémio. Fiz cinco «placards» que se encontram  expostos na estação da Rotunda.
Concorri depois a outro concurso, este organizado pela Ford Lusitana, onde obtive o 5º prémio do respectivo escalão.
E tenho mantido uma participação mais ou menos regular no «DN Jovem», também aí já ganhei um 1º prémio de desenho.
Não faço mais agora porque o 12º ano dá muito trabalho. Não me posso entusiasmar muito. Mas também não consigo deixar de desenhar... 

- A banda desenhada que está a publicar na tal revista de empresa tem um «robot» como personagem principal. Tenciona fazer mais episódios com esse estranho «herói»?

- É uma hipótese muito remota.

- Isso quer dizer que você não gosta de «heróis fixos», ou é porque não gosta dessa personagem?

- Quer dizer que não me agrada muito a personagem em si, pois não a criei por minha iniciativa. Foi-me um pouco imposta pela circunstância que já referi.
Mas gosto bastante de heróis fixos, porque penso que uma personagem deve ser explorada de maneira a conseguirmos tirar o máximo partido dela. Isso só é possível insistindo nessa personagem, descobrindo-lhe novas facetas.

- Considera que vale a pena insistir no Angelim?

- Quanto ao Angelim, como é uma personagem que eu criei totalmente, tenciono, se for possível, fazer novas histórias.

- Já agora, uma curiosidade minha em relação a este nosso amigo Angelim: onde é que foi buscar esse nome estranho?

- Fui buscá-lo ao dicionário.

- O que é que significa?

- Isso agora... Parece-me que é o nome de uma planta brasileira.

- Este Angelim é capaz de ser um indivíduo português, mas não há nada que o indique. Você não gosta de trabalhar com personagens e temas portugueses?

- No que diz respeito às personagens, penso que devem ser universais. Isso facilita a assimilação do público de várias nacionalidades. No que se refere aos temas portugueses, não me agradam, pois não se identificam com o tipo de BD que gosto de fazer.

- Mudando de assunto: há algum desenhador português por quem tenha admiração especial?

- Tenho admiração por todos os desenhadores portugueses, desde que isso não implique a temática e o grafismo que os caracteriza...

- Nesse caso, o que é que lhes resta que lhe mereça admiração?

- Sobretudo a força de vontade e a coragem, que é necessária de certa maneira, para fazer BD em Portugal. 

- E entre os desenhadores estrangeiros, quais é que prefere?

- Giraud. Quanto à sua outra faceta, a de Moebius, só de vez em quando, pois o seu estilo continua a sofrer alterações que não me agradam. Paul Gillon, Carlos Gimenez, Juan Gimenez, Boucq, Chaland, são alguns dos que mais aprecio.

- Algum deles teve influência no seu estilo?

- Principalmente Boucq e Carlos Gimenez.

- Há algum herói da BD estrangeira que considere excepcional?

- Não, porque ligo mais ao autor do que às personagens que ele cria.

- Há algum tema que deseje vir um dia a transformar em BD?

- Como gosto muito de analisar o ridículo, gostaria um dia de pegar em situações desse tipo, que ocorrem no nosso dia-a-dia, e transformá-las em BD.

- O que pensa do «Tablóide»?

- Penso que é uma iniciativa louvável, e é triste que não tenha eco noutras publicações.    
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Os interessados em ler as entrevistas anteriores (a Jorge Colombo, Luís Louro, António Simões, António Ruivo, António Jorge Gonçalves, Luís Diferr, Renato Abreu, "Pitágoras") poderão fazê-lo clicando no item Entrevistas antigas a autores de BD visível no rodapé

2 comentários:

MMMNNNRRRG disse...

impecável!
vais fazer o Revisão anos 80?
hahahaha
M

Geraldes Lino disse...

Desculpa, Marcos, só agora por acaso vi este teu comentário.
Revisão Anos 8o? Se quiseres fazer, como já fizeste para os anos 70, através do teu excelente selo editorial Chili Com Carne, fico à tua disposição. Sim, estou a passar-te a bola eheheheh